CRISPIM
O homem só terá valor
Se a si mesmo ele domina
Quem da vida é senhor
Seu futuro predestina
Por muito tempo permaneceu viva esta figura lendária em Tocantiara. O Crispim era um sujeitinho anêmico, um verdadeiro Jeca Tatu. Trabalhava de ajudante de pedreiro, caladão e tristonho. Um belo dia um companheiro descobriu que escondida entre os tijolos estava uma jararaca venenosa, então se apressou em espalhar a notícia para que o ofídio não picasse ninguém. Crispim com toda sua lerdeza disse:
_ Eu já tinha visto.
_E por que não avisou?
_Ninguém me perguntou!
No trabalho vivia cansado, pois a anemia o consumia. Foi ali que um amigo teve dó dele e segredou-lhe que conhecia um remédio infalível e barato, mas temia em ensiná-lo, pois tomado em excesso poderia ser pior que a anemia. Crispim encheu os peitos de ar e mostrou as costelas recobertas só de pele e exclamou: pode me ensinar sem medo, eu sou macho e muito macho e sei me controlar. Que o diga a sua esposa, com aquela fraqueza toda não fazia nada além de broxar. O amigo então completou: aqui o que conta, não é ser macho e muito macho; a pessoa tem que ser homem e muito homem para manter a palavra dada. Macho por macho, qualquer animal sexuado pode ser macho ou fêmea, sendo assim um simples animal.
_Chega de lorotas, me ensine logo este remédio, que eu estou ficando nervoso.
_Calma, se não pode dominar os seus nervos, como vai garantir que sabe controlar a sua vontade?
_Pronto, já pode explicar que eu sou todo ouvidos e estou calmo.
_Olha esse remédio que eu quero ensinar-lhe, é muito bom, se você souber usar, caso contrário torna-se um veneno.
_Homem de Deus, me explique logo que já não suporto mais de curiosidade.
O amigo estava com dúvidas, se contava ou não, depois compreendeu que o Crispim tinha direito de conhecer a verdade, senão a seguisse era questão dele.
_Deus queira mesmo que seja para o seu bem, vou ensinar-lhe o remédio, porém antes me prometa que irá usar a dosagem certa, para não tomar um veneno.
_Prometo tudo que o senhor quiser, parece que não confia em mim?
_Realmente, sou tentado a não confiar mesmo, contudo vou arriscar-me fazendo um ato de fé num irmão meu que está precisando de ajuda. Tomara que depois não me arrependa.
Assim explicou-lhe que o remédio consistia em comprar uma garrafa de “Chora Rita”, a pinga que circulava em Tocantiara naquelas eras. A dose certa era somente banhar o fundo do copo, ao máximo um dedo deitado, horizontalmente. Isto pela manhã, ao café; ao meio dia no almoço e a noite no jantar.
A cachaça sertaneja é rica em ferro, combatendo assim a triste anemia. O Crispim ficou feliz da vida, comprou logo a branquinha e, no começo, seguiu direitinho a receita que o amigo prescrevera. Já não era mais aquele sujeitinho caladão e triste. Realmente o remédio foi tiro e queda, pois a anemia estava sendo debelada. A vida familiar começava a ter sentido e a esposa agora tinha um marido.
O que o amigo temia, aconteceu; o Crispim deixou-se trair pela gula. Não se satisfez de molhar o fundo do copo, no seu raciocínio de caipira, quanto mais tomasse maior seria o combate a anemia. Acontece que o álcool em demasia ataca o fígado e foi o que aconteceu. Não se satisfez mais de tomar só um dedo deitado, porém o pôs em pé, assim o copo enchia e não foi só nas três refeições, pois após um copo seguia um outro.
O resultado não se fez esperar. De sujeito de natureza pacata, agora passou a fazer gracinhas, às vezes até inconvenientes, um verdadeiro macaquinho. Achava-se interessante. E não parava de beber, até que uns desaprovavam estas gracinhas sem graça, então partiu para agredir a mulher e os filhos, ameaçando a todos que o recriminassem. Achava-se na fase de leão; e a caninha continuava a ser consumida e o pobre homem não aguentou e despencou no meio da lama, rolando feito um porco.
Pobre Crispim, realmente não soube ser homem e muito homem porque foi escravo da cachaça e ela não brinca em serviço, faz de nós antes macaquinhos, depois leva a euforia de grandeza e nos tornamos valentes como leões; finalmente vem o sono e querendo ou não, nós caímos no chão rolando feitos porcos.
Esta é a triste sina de todos os Crispins que não são donos de si, mas escravos do vício.